206 Marcas do caminho

sim, mantém sua relação com o encobrimento. O que preserva o deixar-ser nesta relação com o encobrimento? Nada menos do que o encobrimento daquilo que é velado na totalidade, do ente como tal, isto é, o mistério. Não se trata absolutamente de um mistério particular referente a isto ou àquilo, mas deste fato único de que o mistério (o encobrimento do que está velado) transpassa e impera como tal o ser-aí do homem.

No deixar-ser desvelador que simultaneamente encobre o ente na totalidade acontece o fato de o encobrimento aparecer como aquilo que está velado em primeiro lugar. Enquanto ek-siste, o ser-aí instaura o primeiro e o mais amplo não- desvelamento, a não-verdade propriamente dita. A não-essência propriamente dita da verdade é o mistério. O termo não-essência não implica aqui ainda aquele traço de degradação que lhe atribuímos quando a essência é entendida como universalidade (κοινόν, γένος), como possibilitas (possibilitação) do universal e como seu fundamento. É que a não-es- sência visa aqui à essência que se essencializa previamente em tal sentido. De início e na maioria das vezes, entretanto, a “não-essência” designa a deformação da essência já degradada. Em todas estas significações, porém, a não-essência está sempre ligada essencialmente à essência, segundo as modalidades correspondentes, e jamais se torna inessencial no sentido de indiferente. Falar assim, contudo, da não-essência e da não-verdade choca demasiadamente a opinião ainda corrente e parece uma acumulação forçada de “paradoxos” arbitrariamente construídos. Já que é difícil afastar esta aparência, renunciamos a esta linguagem paradoxal apenas para a doxa (opinião) comum. Para o bom entendedor, certamente, o “não” da não-essência original da verdade como não-verdade aponta para o âmbito ainda não-experimentado e inexplorado da verdade do ser (e não apenas do ente).

A liberdade enquanto deixar-ser do ente é em si mesma uma relação re-solvida, uma relação que não está fechada sobre si mesma. Todo comportamento se funda sobre essa relação e dela recebe a indicação que o refere ao ente e a seu desvelamento. Entretanto, [195] essa relação com o encobrimento esconde a si aí, uma vez que dá primazia a um esquecimento


Martin Heidegger (GA 9) A essência do fundamento