A essência da verdade 207

do mistério e nele desaparece. Ainda que o homem se relacione constantemente com o ente em seu comportamento, ele se limita, contudo, habitualmente a este ou àquele ente em seu respectivo caráter manifesto. O homem limita-se à realidade corrente e passível de ser dominada, mesmo ali onde se tem de decidir o que é primeiro e o que é derradeiro. E se ele se abre para alargar, transformar, se reapropriar e assegurar o caráter manifesto do ente nos domínios mais variados de sua atividade e inatividade, ele procura de qualquer modo as instruções para tanto nos estreitos limites de suas intenções e necessidades correntes.

Instalar-se na vida corrente é em si mesmo, porém, não deixar imperar o encobrimento do que está velado. Sem dúvida, também há na vida corrente enigmas, obscuridades, questões não decididas e coisas duvidosas. Mas todas estas questões, que não surgem de nenhuma inquietude e estão seguras de si mesmas, são apenas transições e situações intermediárias para os movimentos da vida corrente e, portanto, inessenciais. Lá onde o velamento do ente na totalidade só é tolerado sob a forma de um limite que acidentalmente se anuncia, o encobrimento como um acontecimento fundamental cai no esquecimento.

Todavia, o mistério esquecido do ser-aí não é eliminado pelo esquecimento, mas empresta ao aparente desaparecimento uma presença própria. Enquanto o mistério se subtrai retraindo-se no esquecimento e para o esquecimento, ele leva o homem histórico a permanecer na vida corrente e a se distrair com suas criações. Assim abandonada, a humanidade completa seu “mundo” a partir de suas necessidades e de suas intenções mais recentes e o enche de seus intuitos e cálculos. Deles o homem retira, então, suas medidas, esquecido do ente na totalidade. Nestes intuitos e cálculos o homem se fixa, munindo-se constantemente com novas medidas, sem meditar o fundamento próprio desta tomada de medidas e a essência do que dá estas medidas. Apesar do progresso em direção a novas medidas e novas metas, [196] o homem se ilude no que diz respeito à essência autêntica dessas medidas. O homem se engana nas medidas tanto mais quanto mais exclusivamente


Martin Heidegger (GA 9) Marcas do caminho